Desafios para os prefeitos na área da saúde, por Gastão Wagner de Souza Campos

10/09/2016 13:16

‘Uma medida simples: a eliminação da maioria dos cargos de confiança no SUS reduziria a patrimonialismo e protegeria o SUS da lógica partidária’.

Le Monde Diplomatique Brasil colocou em evidência a discussão sobre “Os desafios para os próximos prefeitos” e convidou o presidente da Abrasco, Gastão Wagner de Souza Campos, para tratar do assunto Saúde. O que esperar dos prefeitos nesse âmbito, quais são os maiores problemas a serem enfrentados, o que eles não devem fazer, onde se tem acertado e por quê? – Gastão Wagner respondeu a estas e outras questões no artigo “Desafios para os prefeitos na área da saúde”, publicado no início deste mês de setembro. Confira o texto na íntegra.

Desafios para os prefeitos na área da saúde

Gastão Wagner de Souza Campos

Prefeitos e Secretários de Saúde se encontram em uma situação bastante delicada diante da variedade de agravos sanitários que o Brasil vem sofrendo. Tanto a população quanto parcela importante da mídia tendem a responsabilizá-los pelos problemas sanitários, isentando a União e estados da corresponsabilidade sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Nossa legislação não define claramente o papel dos entes federados em relação ao financiamento e à prestação de serviços de saúde.

Nos últimos anos, houve aumento dos gastos municipais com o SUS, chegando a um ponto em que a maioria dos municípios investe mais do que o limite mínimo legal de 15% do orçamento municipal. Entretanto, este crescimento não foi suficiente para resolver epidemias e falhas assistenciais.

Acredito que se deveria aproveitar o período eleitoral para se discutir abertamente com a sociedade sobre a crise sanitária e sobre a importância do SUS. Os candidatos à prefeito necessitam apontar em suas plataformas estratégias para enfrentamento dos agravos sanitários, explicitando a impossibilidade das cidades alcançarem bons resultados sem o concurso continuado do Ministério e das Secretarias de Estado da Saúde.

O SUS tem padrões de financiamento e de gestão inadequados. O investimento federal e dos estados já é insuficiente e, a depender das contrarreformas propostas pelo governo interino, este quadro tenderá a se agravar. Em Nota recente o Conselho dos Secretários Municipais de Saúde de Pernambuco indica um caminho ao defender o SUS: “ … os secretários e secretárias municipais de saúde de Pernambuco diante de graves ameaças que pairam contra o SUS se sentem no dever cívico de mobilizar toda a sociedade em defesa da mais avançada política pública de saúde. Política esta que precisa de mais recursos para progressivamente melhorar e atender às necessidades da nossa população”.

A governança do SUS é baixa principalmente em decorrência da fragmentação do sistema em vários pedaços com baixo grau de integração. Os prefeitos estarão obrigados a lutar por maior aporte de recursos financeiros, mas também pela diretriz da Regionalização. A Região de Saúde será um instrumento capaz de integrar o financiamento, o planejamento e gestão de recursos entre os vários entes federados. Esta desarticulação explica tanto nosso fracasso no controle de epidemias como também a existência de empecilhos ao acesso, já que grande parte da rede hospitalar e de urgência do SUS é estadual e a maioria dos municípios realizam apenas atenção básica e vigilância em saúde.

Em minha opinião, a prioridade em saúde diz respeito à extensão, para pelo menos 80 % dos munícipes, da Estratégia de Saúde da Família. Todos os países que têm Sistemas Nacionais de Saúde, ao modo do SUS, tem mais de 90 % de sua população inscrita em equipes de atenção primária com capacidade de realizar prevenção e atendimento clínico. Este projeto somente será viável com maior envolvimento da União e dos estados.

O Programa Mais Médicos é uma comprovação desta tese. Este programa expandiu, em pouco tempo, a cobertura da atenção primária no Brasil em 35%, o que somente foi possível graças a ação direta do Ministério da Saúde sobre o provimento e formação de médicos. Este Programa tem recebido apoio forte da maioria dos Prefeitos. Ele deve ser aperfeiçoado, criando-se um Fundo Nacional para Financiamento da Atenção Primária com contribuições da União, dos estados e dos municípios. Isto permitiria a constituição de uma carreira nacional para a atenção primária, já que médicos, enfermeiros e outros profissionais seriam contratados pelo SUS e escolheriam os municípios e equipes onde trabalhariam conforme classificação em concursos públicos. As aposentadorias passariam a depender deste Fundo Nacional e não mais das prefeituras. Os municípios sozinhos não conseguirão implementar uma atenção básica de qualidade para o país.

Em segundo lugar, as plataformas eleitorais devem apontar a necessidade de assegurar acesso aos serviços hospitalares, de urgência e especializados para todos que deles necessitarem. Fazer regulação das filas, assegurando atendimento conforme risco de cada caso, de maneira ágil e desburocratizada. Esta diretriz também não poderá ser alcançada por cada cidade isolada. A rede hospitalar e de serviços de médica complexidade deverá obedecer a lógica da regionalização. Integração de todos os hospitais ligados ao SUS – universitários, estaduais, municipais e contratados – em redes regionais com financiamento, planejamento e operação integrados; em geral, atendendo a mais de uma cidade.

Outra prioridade é a Saúde Pública. Os prefeitos devem apresentar estratégia para enfrentamento das Dengue, Chikungunya e Zika. Mais uma vez, um projeto compartilhado, de caráter regional, que exija do Ministério da Saúde e das Secretarias de Estado maior protagonismo e gestão integrada de recursos e das ações. Ainda há 42% dos domicílios sem acesso a esgoto. Há um programa para ampliar esta cobertura mediante o investimento de 15 bilhões de reais/ano durante cinco anos consecutivos. A epidemia de Dengue tem na falta de saneamento um dos seus fatores determinantes.

A violência proveniente do crime organizado, narcotráfico; a violência doméstica contra crianças, mulheres e idosos é um desafio. A sociedade brasileira não suporta a naturalização deste estado de coisas. Os prefeitos precisam se comprometer com a cultura de paz e com ações concretas que articulem segurança pública, educação, saúde e assistência social.
A integração entre o SUS e as Escolas Públicas é fundamental. O clima de violência e de dificuldades de aprendizado tomou conta de grande parte da escola, lidar com este sofrimento de forma efetiva e humanizada exigirá novos formas de abordagens destas quebras na sociabilidade.

Os prefeitos devem dar transparência à utilização do orçamento. A capacidade de gestão urbana no Brasil está em declínio. Grande parte do orçamento das cidades é gasto com serviço da dívida.

Precisamos restaurar a capacidade de governo da cidade centrado nas pessoas e na sustentabilidade. Cidade para as pessoas: áreas verdes, urbanização de bairros degradados, áreas de lazer, de esporte. Prioridade ao pedestre e não aos automóveis; primeiro, transporte público.

A maior parte destas reformas sociais sugeridas não terá viabilidade política e cultural se não houver compromisso de se realizar importante mudança no modo como se faz gestão pública no país.

Um compromisso central é com o incentivo a institucionalização de formas de democracia direta e de participação cidadã. Uma nova cultura para a gestão pública no Brasil. Uma medida simples, a eliminação da maioria dos cargos de confiança no SUS reduziria a patrimonialismo e protegeria o SUS da lógica partidária. Instituir seleção pública para todos cargos de direção de serviços e de programas de saúde seria um excelente indicador dessa disposição.

Fonte: ABRASCO