À procura de visibilidade

04/10/2016 18:15

Investir na divulgação de trabalhos na mídia pode ajudar pesquisadores a avançar na profissão e serem reconhecidos por um público mais amplo.

Apesar das tensões e da dissonância de ritmos e expectativas, a relação entre cientistas e jornalistas melhorou nas últimas duas décadas no Brasil. Os pesquisadores, aos poucos, reconhecem a importância de se comunicar com públicos mais amplos e também percebem que a divulgação de seus trabalhos na imprensa pode ajudá-los a avançar na carreira, aumentando a visibilidade de suas pesquisas e seu prestígio entre os colegas acadêmicos. Essa foi uma das conclusões de um estudo publicado em março deste ano nos Anais da Academia Brasileira de Ciências. Nele, a jornalista Luisa Massarani, do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e o cientista social Hans Peters, professor da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, avaliaram as percepções de pesquisadores brasileiros sobre os benefícios de se relacionar mais e melhor com a imprensa.

Luisa e Peters entrevistaram 956 pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Verificaram que 66% dos cientistas qualificam como profícua sua relação com a mídia e que 67% consideram que a divulgação de seus trabalhos na imprensa poderia aumentar a notoriedade de suas pesquisas dentro e fora da universidade. Ao mesmo tempo, constataram que 24% dos pesquisadores entrevistados julgam que a interação com os jornalistas pode ampliar as possibilidades de se conseguir novos colaboradores ou mesmo apoio financeiro para seus projetos, além de atrair a atenção do público para seu campo de investigação. Diante disso, todos reconhecem que deveriam interagir mais com os jornalistas, tomando a iniciativa de comunicá-los sobre o andamento de suas pesquisas e sobre a publicação de artigos em revistas científicas, colocando-se à disposição, sempre que possível, para dar entrevistas e comentar assuntos relacionados à sua área de investigação.

Os resultados do estudo de Luisa e Peters parecem refletir a percepção de cientistas de outros países. Em um artigo publicado em 2015 na revista Journal of Science Communication, pesquisadores da Universidade de Twente, Holanda, avaliaram as percepções de 21 pesquisadores sobre os benefícios de se comunicar com audiências mais amplas. Os cientistas daquele país consideram que a divulgação de seus trabalhos na mídia, entre outras ações, poderia contribuir para que suas pesquisas influenciem a formulação de políticas públicas. De modo mais amplo, os pesquisadores disseram que investir no aperfeiçoamento da relação com a mídia contribuiria para que as pessoas desenvolvessem uma compreensão mais apurada dos processos de produção do conhecimento científico, amenizando a ansiedade de certos setores da sociedade e de governantes pela obtenção rápida de novos resultados ou técnicas.

© DANIEL ALMEIDA

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Menos sensacionalismo
Para que possam tirar proveito dessa interação, os pesquisadores precisam antes aprender a atender às necessidades dos jornalistas, recomenda Marta Entradas, pesquisadora do Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconômica e o Território, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa, Portugal. Atualmente, ela é bolsista no Programa Marie Curie Fellow na London School of Economics and Political Science, na Inglaterra. Marta tem um histórico de pesquisas em comunicação científica. Foi professora assistente de comunicação de ciência e política científica na University College London, Inglaterra, e educadora na European Network for Science Communication, que ensina cientistas a se comunicar melhor com públicos mais amplos que o acadêmico. Segundo ela, um dos principais problemas que permeia a relação dos pesquisadores com a mídia é a dificuldade de encontrar um reconhecimento por parte dos meios de comunicação de que temas menos sensacionalistas, mas de interesse para a sociedade, deverão ser também merecedores de cobertura. “A verdade é que a maioria das pesquisas conduzidas em instituições científicas não chega aos meios de comunicação e nem à sociedade”, diz Marta.

 

Há também, segundo Marta, um trabalho que pode ser feito pelas próprias universidades, como a criação de cursos que ensinem pesquisadores a lidar com jornalistas, mantendo-os informados sobre o que estão fazendo. Ao mesmo tempo, ela diz, é importante que os pesquisadores se aproximem das assessorias de comunicação de suas próprias instituições, uma vez que elas frequentemente interagem com os jornalistas e, por isso, podem auxiliar os pesquisadores a lidar melhor com a mídia. Além disso, cada vez mais as assessorias de comunicação valorizam o diálogo direto com o público, por meio de atividades que promovem e dos seus próprios sites e perfis em redes sociais.“O amadurecimento dessas relações poderá significar o reconhecimento da importância da ciência na sociedade e um maior apoio social, político e financeiro”, afirma.

A expansão da mídia on-line também abriu novos caminhos de divulgação para os próprios pesquisadores escreverem sobre ciência. Já se tornou comum cientistas falarem a respeito de seus trabalhos mais recentes por meio de perfis pessoais em redes sociais, blogs ou colunas de jornais e revistas. Ou, ainda, em portais de acesso aberto, como o ResearchGate e o Academia.edu. O físico Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), é um dos que seguem essa estratégia há algum tempo. Atualmente ele mantém uma página com seus trabalhos no ResearchGate. Com 507 artigos disponibilizados para download, ele acumula mais de 18 mil citações — apenas nessa base de dados — e 26 mil leituras contabilizadas.

Carreiras_247Artaxo considera quase como um dever a divulgação mais ampla possível de seus trabalhos científicos, sobretudo pelo fato de serem financiados com recursos públicos. O físico tem uma longa experiência em falar com jornalistas, sempre disposto a dar entrevistas ou a comentar assuntos relacionados a sua área. Além dos mais de 500 trabalhos científicos publicados, o gosto por problemas de importância social o tornou um dos pesquisadores mais requisitados pelos jornalistas para analisar questões ambientais ligadas à poluição atmosférica ou às mudanças climáticas. Para ele, apesar de trabalharem com base em regras e ritmo distintos, cientistas e jornalistas precisam de um diálogo mais intenso e maduro, de modo que o conhecimento científico chegue à população de forma mais fluida e completa. “Quanto maior o impacto de um determinado trabalho científico na sociedade, mais conhecido será o pesquisador que o fez, tanto pelo público quanto pelos seus colegas na academia”, avalia Artaxo. O astrônomo e astrofísico Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, vai na mesma linha: “Se o público tivesse uma percepção positiva do trabalho dos cientistas, teríamos mais apoio político e financeiro para a pesquisa científica no Brasil”. Segundo ele, a divulgação de suas pesquisas na imprensa e os artigos que ele próprio escreveu em diversos veículos de comunicação o ajudaram a ampliar a ressonância de seus trabalhos, inclusive incentivando alguns jovens a ingressar no curso de astronomia.

Segundo Luisa Massarani, essa mudança de percepção por parte dos cientistas no Brasil e na Europa é resultado de um esforço da própria comunidade científica para valorizar a divulgação da ciência. Um exemplo nesse sentido é a publicação, em 1985, pela Royal Society (academia britânica de ciências), em Londres, de um dos primeiros documentos pedindo aos cientistas que se comunicassem mais, e melhor, com a imprensa. “No Brasil, a atuação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tem sido importante para disseminar assuntos de ciência e tecnologia no país, por meio da criação de um Comitê Deliberativo em Divulgação Científica e uma aba no Currículo Lattes [banco on-line de currículos de pesquisadores mantido pelo órgão] que dá visibilidade a ações de divulgação científica feita pelos próprios cientistas”, ela avalia.

Fonte: Revista Pesquisa FAPESP