Lei que proíbe venda de alimentos industrializados em escolas faz parte de educação nutricional, defende professor da UFSC

16/06/2017 14:35

Mais da metade dos brasileiros tem sobrepeso. E 18,5% da população do país é obesa. Na última década, esse problema cresceu 60% no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. Entre as crianças menores de cinco anos, o índice de sobrepeso é de 7,3%, conforme números da Organização Mundial da Saúde (OMS). E a obesidade é fator de risco para doenças graves, como diabetes, hipertensão e problemas cardíacos, que figuram entre as principais causas de morte entre adultos. Ainda assim, nem todo mundo se convence de que nutrição é coisa séria.

Em reportagem publicada na quarta-feira, o DC mostrou a venda irregular de salgadinhos e doces em escolas do Estado, contrariando uma legislação de 2001, que foi feita com o objetivo de melhorar a nutrição e a saúde das crianças. O professor da UFSC Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos fala sobre a importância da lei e sobre o cenário atual da obesidade no país. 

“A legislação é uma maneira de proteger a saúde”, diz professor

O Brasil passou de um país de desnutridos — deixou o mapa da desnutrição da ONU em 2014 — para um país de obesos. Como isso aconteceu?
Por conta da mudança dos hábitos que veio com a alimentação industrializada. No Brasil, isso começou nos anos 1970 com a forte penetração da indústria dos alimentos. No ambiente escolar, a indústria teve muita influência, e na população como um todo também. E dos anos 1990 para os 2000, chegaram novos produtos, que vão perdendo a característica de alimento. São enlatados, processados, ricos em açúcar e gordura saturada. Isso fez com que houvesse a transição da desnutrição para a obesidade. Além disso, o brasileiro  se tornou mais sedentário.

Como o senhor vê a legislação que proíbe a venda de alimentos industrializados em escolas?
Eu fiz pesquisa sobre o cumprimento dessa lei em Florianópolis, porque ela começou aqui e depois se expandiu para o Estado e para outros locais do país. Já na época (no início da aplicação da lei), a gente já via essa resistência. tanto de diretores de escolas quanto de gente que gerencia, além de pais e professores em relação à norma. O pessoal sempre coloca esse discurso de liberdade de escolha. E o que a gente colocava é que a gente está proibindo para proteger, para a alimentação saudável dos escolares. A lei é também parte de um processo de educação nutricional, tanto para os alunos quanto para a comunidade escolar. Sabemos que o comércio de produtos não saudáveis tem muito estímulo para atrair os consumidores, principalmente a população infantil. A criança sofre estímulo diário para adquirir esse gosto por refrigerante, por guloseima, por todos os produtos ultraprocessados, que só oferecem calorias. Então a gente defendia a lei nesse sentido. Só que para ela ser cumprida, tem que haver o envolvimento de todos.

Parte da população tende a minimizar o descumprimento da lei. Por que é preocupante que crianças se alimentem com comida industrializada?
Esses alimentos estão muito associados com obesidade e outras doenças, além de um variado número de tipos de câncer. Quanto mais cedo você é exposto a esse tipo de alimentação, pior.

Que políticas públicas funcionam no sentido de reeducação da obesidade e conscientização da nutrição?
Em Florianópolis tínhamos um programa coordenado por nutricionistas competentes, com base em alimentos in natura, tinha a listagem de alimentos que o próprio Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) regulamenta. Esse é um programa que estimula as crianças a ter um hábito mais saudável. Mas, apesar dele ser universal, há resistência também. Sabemos que nem todas as crianças aderem ao programa. E aí, quais alimentos competem com isso? A cantina, o comércio em torno da escola, em algumas escolas as turmas de formandos promovem determinadas vendas que deveriam ser controladas também.

O Ministério da Saúde, na pesquisa Vigitel, faz um cruzamento de dados entre obesidade e hábitos de saúde e anos de escolaridade. Em geral, quem tem mais escolaridade tende a ser mais consciente e praticar mais os hábitos saudáveis?
Geralmente, sim, mas isso não se aplica sempre. Um exemplo é a mudança no hábito de fumar, que foi mais uma questão de controle e proibição do que o próprio fumante ter noção de que fumar gera prejuízo à saúde. As pessoas sabem que dá câncer, que dá impotência, mas continuam fumando, porque é bom, porque é o hábito, tem uma série de justificativas. Mas em geral há sim uma associação entre escolaridade e hábitos mais saudáveis.

O senhor acha que os brasileiros estão mais conscientes quanto à importância da nutrição?
Em alguns aspectos, sim. Vemos uma preocupação com a busca de uma alimentação saudável, busca pela produção, por parte de agricultores familiares, de alimento orgânico, preocupação em aumentar atividade física. Estamos vendo essa preocupação. Agora, são pequenos grupos ainda.

Fonte: Diário Catarinense