Brasileiro gosta de ciência, mas não conhece seu impacto

15/04/2018 18:23

RIO- O brasileiro é maravilhado com a ciência, tem vontade de conhecer melhor as pesquisas e é otimista com as próximas descobertas. Acredita que a cura do câncer, por exemplo, pode chegar nas próximas décadas, e uma parcela significativa garante que os carros voadores também não devem demorar tanto assim. Por outro lado, ainda tem dificuldade em reconhecer, no dia a dia, aquilo que é produzido nos laboratórios: dois em cada três acreditam que a ciência tem pouco ou nenhum impacto no cotidiano.

O panorama acima foi traçado pela primeira edição do Índice Anual da Situação da Ciência, organizado pelo Instituto 3M em 14 países desenvolvidos (EUA e Alemanha, por exemplo) e emergentes (como Índia e China), entre junho e agosto do ano passado. Cerca de mil pessoas foram entrevistadas em cada um deles. Além da curiosidade pelo tema, os brasileiros também admitiram frustrações: pouco mais da metade (52%) se arrepende por não seguir uma carreira científica, e 84% acreditam que o Brasil não valoriza tanto o assunto quanto outras nações.

A visão geral é de que, se houvesse mais investimento, estaríamos na vanguarda — explica Camila Cruz, diretora de pesquisa e desenvolvimento do Instituto 3M no Brasil. — Por outro lado, sabemos que a destinação de verbas para a ciência não é uma medida de curto prazo. Precisamos de segurança jurídica para que este processo se estenda pelo tempo necessário. Não devemos apenas importar conhecimento. É preciso produzi-lo aqui também.

O interesse pela ciência é nítido: 52% dos brasileiros gostariam de saber mais sobre o tema, um índice muito superior à média mundial (34%), inclusive entre os mais jovens. Mas o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Ildeu de Castro Moreira, considera que esta disposição para o aprendizado é mal explorada no sistema educacional.

— Às vezes a ciência não é apresentada como uma construção social e coletiva. Pelo contrário, costuma ser erroneamente retratada nos meios de comunicação como algo feito exclusivamente por gênios. Então, a maioria das pessoas pensa que este mundo não é para elas — lamenta. — Apesar de admirarem os cientistas, 90% dos brasileiros não sabem o citar o nome de sequer um desses profissionais. Isso é decorrente da falta de um aparato que divulgue nossas descobertas para a população, como filmes educativos e documentários, que são comuns em países desenvolvidos.

Camila concorda: o Brasil não conta com cientistas com status de celebridades, como medalhões como Bill Gates, Stephen Hawking e Elon Musk, fundador da empresa de transporte espacial SpaceX. Mas os brasileiros estão dispostos a buscar ídolos dentro de laboratórios. No questionário, o instituto apresentou duas personalidades, o jogador Neymar e o astronauta Marcos Pontes, e perguntou com quem os entrevistados gostariam de jantar. Pontes angariou quase metade (49%) dos votos. Entre as mulheres, a epidemiologista Celina Turchi, que descobriu a relação entre zika e microcefalia, também teve um desempenho expressivo — 42% a convidariam para um evento, enquanto 58% prefeririam a companhia da cantora Ivete Sangalo.

No futuro, Celina, Pontes e outros tantos podem ser ainda mais requisitados, já que 66% dos brasileiros estimam que os melhores dias da ciência ainda estão por vir. Três em cada quatro (76%) entrevistados pensam que verão a cura do câncer em vida. E 51% têm a esperança de testemunhar carros voadores riscando o céu.

 — Mais de 80% dos pais gostariam que os filhos conhecessem melhor a ciência — conta Camila. — As famílias, o poder público e as instituições de ensino devem, em conjunto, oferecer oportunidades para os estudantes, principalmente a partir do final do ensino fundamental. Precisam mostrar como aquilo que estudam na sala de aula pode contribuir para o desenvolvimento da sociedade.

Por enquanto, porém, o país está levando nota vermelha — 74% acreditam que o Brasil está ficando para trás de outras nações quando se trata de avanços científicos. Para 42%, o financiamento inadequado é o maior obstáculo.

— A população sabe que o atraso da ciência brasileira está vinculado à decadência de nosso processo político — observa Ildeu. — Durante a crise econômica, vemos que as pesquisas estão entre as primeiras áreas a perder recursos públicos, que são destinados para outras áreas. A maioria das pessoas discorda dessa medida.

Fonte: O Globo