Centro de Ciências Agrárias é referência na produção de conhecimento para a Agroecologia

16/06/2017 14:39

A Agroecologia é mais do que técnicas de cultivo no campo. Para pequenos produtores, é um movimento de resistência aos interesses das grandes corporações que atuam no setor, e de combate às relações desiguais de comercialização e consumo dos produtos agrícolas. “É um conceito de vida que prioriza a relação com a natureza, que repensa o consumismo e promove o cuidado e atenção ao próximo” diz a agricultora Sônia Jendiroba, moradora do bairro Ratones, em Florianópolis, e participante da feira orgânica do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFSC.

Método UFSC de Compostagem

O CCA é referência na produção de conhecimento de técnicas agroecológicas no país, e esse reconhecimento não é recente, é desde que começou a discutir a Agroecologia como meio produtivo no país” diz Walter Quadros Seiffert, diretor do do Centro de Ensino. De fato, o CCA tem papel importante na produção de pesquisas e desenvolvimento de tecnologias a exemplo do “Método UFSC de Compostagem”, que é uma adaptação de outro modelo mais tradicional que possibilita empilhar matéria orgânica diariamente em uma estrutura alongada conhecida como Leiras. Diferentemente de outros métodos, no da UFSC as leiras não são reviradas ou não tem uma aeração forçada, isso facilita a proliferação microrganismos que são biofungicidas naturais e podem eliminar pragas fungicidas nas plantas, como o fungo verticillium dahliae, que afeta as plantações de tomates. A consequência é a dispensa de defensivos para este tipo de fungo. Os métodos de compostagem podem ser utilizados para qualquer sistema de plantio, no agroecológico ou no convencional.

O professor Paul Miller, do Departamento de Engenharia Rural, questionado sobre a autoria do método foi enfático, “as pessoas falam da autoria do método atribuindo a mim. Na verdade ele foi desenvolvido por egressos e atuais estudantes do CCA sob minha orientação”. Sobre a responsabilidade da criação, o professor valoriza a participação dos estudantes na produção de conhecimento e retrata um pouco os laços entre os alunos e professores do CCA. O resultado das tecnologias desenvolvidas certamente geram benefícios na vida dos agricultores. Neste caso resulta em autonomia de adubos e defensivos naturais para a lavoura. Mas, ainda há muito o que produzir em termos de soluções para o cotidiano dos produtores agroecológicos como a trabalhadora da banca de hortaliças, a dona Sônia Jendiroba.

Colaboração de ONGs

No início deste mês, Sônia palestrou na Semana Nacional do Alimento Orgânico. “É necessário mais conhecimento em planejamento, não é fácil entrar no sistema agroecológico, é preciso administrar em períodos sazonais, saber o que fazer com os excedentes de colheita”, disse. Ela se refere ao conhecimento técnico para a transição agroecológica de cultivo e ao planejamento administrativo. Nem todos os órgãos públicos que atuam no setor dispõem de técnicos agroecológicos e tampouco têm planos de ação para a Agroecologia. Daí a relevância da atuação de ONGs como o Centro de Estudos de Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro) que entre outras atividades, também atua na assistência técnica ao pequeno produtor.

O Cepagro tem 27 anos de existência, e hoje está sediado no CCA, servindo de referência para os estudantes que querem atuar na Agroecologia e têm a oportunidade de estagiar na instituição.  Atualmente, a entidade conta com cinco agrônomos, uma jornalista e uma educadora do campo, todos formados na UFSC, além de outros profissionais. Quanto aos estagiários, há estudantes do CCA e um de Jornalismo, do Centro de Comunicação e Expressão (CCE).

Comunicação é um campo de atuação da ONG, não no modelo convencional a que o termo remete, mas é por meio dela que o Cepagro age como elo entre a comunidade e a universidade. Mediante os projetos desenvolvidos, os profissionais e estagiários têm contato direto com o agricultor e o consumidor, seja na cidade ou no campo. Um exemplo disto é o Projeto “Misereor em Rede”. Eduardo Rocha, diretor-presidente do Cepagro, comenta que “o projeto atua com o conceito de proconsumidor, ou seja, produtor-consumidor, onde os consumidores têm a oportunidade de atuar no processo de produção dos alimentos e o Cepagro, junto com outras instituições, serve de ligação e estabelece a comunicação entre o produtor e o consumidor”. Desta forma, Eduardo revela a importância da comunicação entre comunidade e universidade, mas também entre os próprios integrantes comunitários. As outras instituições mencionadas são: Centro de Tecnologias e Alternativas Populares (Cetap) de Passo Fundo (RS), AS-PTA Agroecologia e Agricultura familiar, com sede no Rio de Janeiro e filial em Palmeira (PR) e o Centro Vianei de Educação Popular, de Lages (SC). Esta rede de instituições fortalece o conceito de comunicação trabalhado na ONG, e certamente abre oportunidades de estabelecer contatos e troca de experiências aos estudantes fora da universidade.

Estudantes que integram a equipe do HOCCA

Os pós-graduandos também se beneficiam deste elo entre Cepagro e comunidade externa. Segundo Eduardo, eles podem ir a campo com os profissionais da instituição para realizar suas pesquisas, além de a entidade fornecer dados estatísticos e outras formas de apoio a quem estiver interessado em pesquisar a Agroecologia. O projeto de extensão Hortas Orgânicas do CCA (HOCCA) sob a supervisão do professor Antonio Augusto Alves Pereira também está envolvido com o projeto “Misereor em Rede”. O Hocca teve participação fundamental na Semana Nacional do Alimento Orgânico e realizou um manejo da agrofloresta em frente à sede Cepagro, transformando-a numa horta mandala. A exemplo da Semana Nacional, o CCA tem sido palco de eventos importantes para o setor agroecológico.

Qualidade do Alimento Orgânico em Santa Catarina

Durante a Semana Nacional do Alimento Orgânico muito se discutiu sobre a qualidade dos alimentos. Um fator fundamental para mensurá-la e estabelecer metas passa pelo processo de certificação dos agricultores. Quem comercializa entra para o cadastro nacional dos produtores orgânicos, criado pelo Ministério da Agricultura. O processo de certificação pode ocorrer de duas maneiras:

a) Por meio de empresa privada. O produtor contrata empresa de auditoria credenciada pelo Ministério da Agricultura e recebe a certificação após à conclusão do processo. A certificação é renovada anualmente.

b) Por meio do sistema participativo de garantia de conformidade orgânica (SPG). O produtor se associa a redes de certificação, a exemplo da Rede Ecovida com mais de 4.500 famílias associadas na região Sul do país. A auditoria de certificação é anual.

O custo da certificação tem variações consideráveis de uma empresa para outra no setor privado. Para as redes participativas, há grupos que cobram mensalidades, mas a auditoria é gratuita. A vantagem de contratar empresa privada está na duração do processo, muito mais rápido que na rede participativa de garantia, que pode demorar entre 2 a 3 anos. Mas compensa! “Eu gastava cerca de R$ 4 mil reais por ano com uma empresa privada, mas, depois de entrar para a rede participativa o custo caiu para 150 reais por ano” diz Pedro Henrique Eger, produtor de morangos orgânicos de Rancho Queimado.

Além do ganho no bolso, participar de redes de certificação se reflete também na formação do produtor. Tanto dona Sônia Jendiroba como Pedro Eger recebem formação específica sobre o funcionamento da rede participativa em que eles estão associados, em ambos os casos na Rede Ecovida. Essa formação é intermediada pelo Cepagro. O objetivo é estabelecer a comunicação permanente entre os agricultores, para que eles troquem experiências e se tornem autônomos em todo o processo de produção agroecológica.

Agroecologia como filosofia de vida e instrumento político

Como mencionou dona Sônia, a Agroecologia é encarada pelo produtor como filosofia de vida, como um conceito político de resistência. Não é à toa que o Movimento dos Sem Terra (MST) são os maiores produtores de arroz orgânico na América Latina, com previsão de 27 mil toneladas para este ano. A Agroecologia movimenta as minorias também no campo e serve para discutir as relações de gênero. “Você vai à loja comprar algo para sua propriedade, uma roçadeira, por exemplo, os vendedores ficam te olhando e perguntam: para quem que é? Por você ser mulher, “não é pra você”, são situações que eu passo. Há situações em que vai eu e meu irmão, mas os vendedores falam com o meu irmão. Eu não estou ali para eles”, relata Gabriela Favretto, agricultora de São Domingos do Sul. São questões deste tipo que os movimentos sociais envolvidos na Agroecologia discutem nos seminários e congressos do setor.

São para essas pessoas, para Gabriela, Pedro e dona Sonia que a formação dos profissionais no CCA deve se atentar. A comunicação e os questionamentos atuais da sociedade, a exemplo das relações de gênero, devem estar em pauta na formação para que os estudantes possam compreender a dinâmica interna do campo e da relação campo-cidade.

Mais informações sobre o cadastro nacional de orgânicos acesse o site www.agricultura.gov.br

Texto: Fernando Lisboa/Estagiário de Jornalismo/TV UFSC

Fotos: Carlos Pontalti

Fonte: Notícias da UFSC