Mulheres na ciência: a diversidade torna o sistema mais eficiente

10/09/2018 13:51

O evento “Mulheres na Ciência-SC” realizado nesta terça-feira, 28 de agosto, no Centro Tecnológico (CTC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), abriu o ciclo de seminários e no final deixou um convite para o próximo encontro que será no dia 3 de setembro, na Biblioteca Universitária (BU). Este, mesmo sendo aberto a todas e todos, as mulheres foram a maioria no auditório Teixeirão para as apresentações de dois nomes da academia  – Marcia Cristina Bernardes Barbosa, do Departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que discorreu sobre “Mulheres na Ciência: uma verdade inconveniente” e Rafaela Falaschi, do Departamento de Biologia Estrutural, Molecular e Genética da Universidade Estadual da Ponta Grossa (UEPG), sobre “Quem são as mulheres na ciência?”.

Marcia, já de início, falou do motivo que a trouxe a Santa Catarina, mostrar evidências sobre a importância de se ter mulheres atuando na ciência. Para incitar a discussão, mostrou duas fotos da Conferência de Solvay, a de 1927 e a de 2011. Os dois momentos, mesmo tão distantes no tempo, aproximam-se por um detalhe bem sutil, a baixa participação feminina.

No retrato mais antigo, tirado em Bruxelas, na Bélgica, posaram alguns dos maiores gênios da ciência do século 20, como Albert Einstein, Niels Bohr, Erwin Schrödinger, Werner Heisenberg, Paul Langevin, Wolfgang Pauli, Paul Dirac, Max Born, Hendrik Lorentz, Paul Ehrenfest e Max Planck, e apenas uma única mulher, Marie Curie. A cientista polonesa, naturalizada francesa, produziu trabalhos na área de radioatividade, também se destacou em meio aos homens, por ter sido a única da fotografia a receber dois prêmios Nobel.

Na edição de 2011, mais de 90 anos depois, mesmo tendo a participação de “duas mulheres” não chegou a ser um diferencial. Para Marcia, o tempo acentuou o padrão estabelecido e evidenciou um problema muito sério nas ciências exatas. Anos antes este fato já havia sido percebido e, em 2000, na União Internacional de Física, os representantes começaram a questionar o baixo índice de mulheres na ciência. A partir daí, um comitê internacional foi criado para analisar o contexto. Marcia, integrante deste grupo, representou o Brasil na “1ª Conferência Internacional de Mulheres na Física”, realizada em Paris, em 2002. O evento reuniu mulheres de 75 países para discutir a problemática e o que poderia ser feito para mudar aquela situação.

 

Da análise mundial, a professora explicou que “na graduação em Física, as mulheres são um pouco mais de 20%, no mestrado e doutorado este percentual diminui, e quando chega no meio profissional sofre mais uma queda”. A diminuição do número de mulheres nos níveis mais elevados da carreira é denominada “efeito tesoura”. Nas demais áreas, o panorama é semelhante: “na graduação, mestrado e doutorado, as mulheres hoje estão em pé de igualdade, no entanto, quando saem do doutorado e vão para o meio profissional tem uma decadência em todas as áreas, e por isso a palavra tesoura, pois as mulheres estão sendo literalmente picotadas para fora da carreira acadêmica”. E indagou: “se a mulheres somem do sistema, onde estão? e nisso há dois problemas: baixa entrada nas exatas e desaparecimento das mulheres em todos os segmentos.

Como membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a docente da UFRGS também pôde verificar essas questões da participação feminina na ciência e apontou que atualmente na entidade as mulheres somam 14%. Um fato curioso é que o Brasil mesmo apresentando este percentual, é campeão mundial. “A tesoura dentro da tesoura, (…) não acaba nunca”.

Marcia afirmou que gosta, como física, de responder aos questionamentos feitos pelos colegas com estatísticas, e busca sempre subsídios em pesquisas feitas por institutos de renome, com a de uma consultoria internacional que avaliou as 500 maiores empresas do mundo. E um dado foi confirmado: “as que apresentavam mais diversidade, ganham mais dinheiro em qualquer recorte”. Isto gerou um boom nas empresas e um acréscimo de mulheres nos postos de liderança. Para ela, “empresa e ciência não operam diferente”, há a utilização de recursos, produção, resolução de problemas, portanto, “a ciência também precisa de diversidade, não no sentido de democracia, equidade, direito humano, o meu argumento é mais técnico. A ausência de mulheres em todos os postos resulta menor eficiência para o sistema. A adição de pessoas com experiências diferentes gera o que se chama de Inteligência Coletiva e significa que o saberes não se somam, se multiplicam, porque as pessoas têm diferentes visões de mundo”.

Os rostos e trajetórias de mulheres pioneiras e atuantes na ciência também fizeram parte da exposição. Na sequência abordou os mitos existentes e os mais usados como “não existe preconceito”, “mulheres não têm ambição” e “mulheres não servem para ciência”. E com base em outro estudo com 400 crianças de 5 a 7 anos, “concluiu-se de que existe sim um preconceito socialmente construído”.

Na segunda palestra, a cientista Rafaela Falaschi, da Universidade Estadual da Ponta Grossa, no Paraná, relatou sua experiência de criar uma comunidade para falar de ciência sem censura. Explicou que o site mulheresnaciencia.com.br é um espaço para elas contarem suas histórias e discutirem sua posição no mundo científico do ponto de vista feminino. Também serve para debate, desabafo, divulgação de pesquisas, solução de dúvidas e troca de experiências diversas. Hoje conta com mais de 2.200 participantes em todo o Brasil e de diversas áreas do conhecimento.

Conceituou em sua apresentação o “Efeito Matilda”, fenômeno social que considera que a ciência foi construída historicamente como uma carreira masculina e “a definição é um viés contra um reconhecimento das conquistas e contribuições das mulheres cientistas em pesquisas, cujo trabalho é frequentemente atribuído aos seus colegas homens”, reiterou. Rafaela comentou que o nome do efeito foi dado em homenagem à sufragista e abolicionista do século 19, Matilda Joslyn Gage, que dizia que já nasceu com ódio à opressão. Explicou que ela possui vários escritos e ensaios e em um desses fala do papel da mulher na ciência em 1870. Infelizmente, ao longo da história, o fenômeno é ainda real e atual para as mulheres. E a este conceito, relacionou com outro que é o de “não-lugar”, o de não pertencimento. “A interrupção, a apropriação de ideias, assédio moral, sexual, tudo isso faz o ambiente acadêmico muito hostil para as mulheres”, destacou.

Mulheres na Ciência-SC

Os seminários são abertos à comunidade e têm como propósito criar um espaço de fala exclusivo para mulheres cientistas, que têm a liberdade de escolher o tema de suas palestras, desde sua experiência na academia até a comunicação de resultados de suas pesquisas.

Mais informações neste link.

 

Rosiani Bion de Almeida/Agecom/UFSC