O futuro do acesso aberto

07/02/2017 09:43

A decisão da União Europeia de disponibilizar de forma livre e gratuita a partir de 2020 todos os papers produzidos em seus estados-membros promete dar novo fôlego ao Acesso Aberto, movimento lançado no início dos anos 2000 com o objetivo de franquear o acesso à produção científica, que avança lentamente. Estima-se que apenas um em cada quatro novos artigos seja publicado atualmente nesse regime – os demais, no momento em que são divulgados, só podem ser vistos por assinantes ou por usuários que aceitem pagar pelo download. As apostas em torno do modelo de acesso aberto que irá ganhar mais impulso estão divididas.

 A experiência do Reino Unido, que começou a adotar em 2014 uma estratégia desse tipo envolvendo a pesquisa produzida em 107 instituições ligadas aos seus Conselhos de Pesquisa (RCUK, em inglês), deu força à chamada via dourada (golden road), na qual as próprias revistas científicas garantem o acesso livre ao conteúdo que publicam – cobrando mais caro do autor e isentando o usuário de pagar pelo download. É certo que os custos de publicação aumentaram. Segundo estudo divulgado em fevereiro por Adam Tickell, vice-reitor da Universidade de Birmingham, as universidades do Reino Unido gastaram £ 33 milhões, o equivalente a R$ 150 milhões, em custos associados apenas à publicação em acesso aberto em 2015 – quase 20% do gasto geral com publicações. “Embora haja consenso sobre os benefícios do acesso aberto no Reino Unido, os desafios financeiros persistem”, escreve Tickell. “As universidades estão preocupadas com a preferência pela via dourada pela pressão que isso está provocando em seus orçamentos de pesquisa.”

Em países como a Espanha, que começou a criar repositórios no início dos anos 2000 e onde 11 das principais universidades exigem desde 2009 que a produção científica de seus pesquisadores seja divulgada em acesso aberto, a chamada via verde (green road) tem mais tradição. Trata-se de um modelo no qual cada pesquisador arquiva no banco de dados de sua instituição uma cópia de seus trabalhos científicos publicados em periódicos, que ficam disponíveis ao público. Quem quiser ler o artigo sem pagar pode recorrer a esses repositórios. Muitas editoras permitem que os autores depositem seus artigos em repositórios apenas depois de um período de embargo, em geral de seis meses pelo menos. Outras cobram um valor extra para liberar o embargo. “O crescimento dos repositórios institucionais é um mecanismo relativamente barato para ampliar o acesso à pesquisa financiada com recursos públicos”, pondera Tickell.

Já o Brasil tem um modelo bastante peculiar, com a oferta da biblioteca eletrônica SciELO, que reuniu uma coleção de mais de 200 publicações brasileiras de acesso aberto de todos os campos do conhecimento, cujos artigos podem ser baixados da internet de forma livre e gratuita. Criada em 1997, seis anos antes de o movimento do Acesso Aberto ser deflagrado, a SciELO é um programa especial da FAPESP lançado para aumentar a visibilidade de publicações científicas brasileiras que, até o século passado, estavam escassamente indexadas em bases de dados internacionais. Outra iniciativa brasileira foi a criação, em 2013, do Repositório da Produção Científica do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, o Cruesp (cruesp.sibi.usp.br), que contava, no início de julho, com mais de 400 mil registros de artigos, teses e dissertações e outros trabalhos científicos, sendo 195.242 da Universidade de São Paulo (USP), 116.162 da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e 89.664 da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

“O repositório é a soma dos acervos depositados nas três universidades e pode ser acessado por meio de uma ferramenta de busca comum”, diz Maria Crestana, coordenadora do Sistema Integrado de Bibliotecas (Sibi) da USP. O repositório foi criado por iniciativa e com apoio da FAPESP, que instituiu uma política de publicação de resultados de pesquisas científicas financiadas com recursos públicos em acesso aberto. Os registros disponíveis atualmente compreendem, principalmente, as teses, dissertações e artigos científicos publicados nos últimos 10 anos, quando as universidades começaram a oferecer esse tipo de produção em formato digital. “No caso da USP, a produção científica coletada desde meados dos anos 1980 supera os 700 mil registros, muito mais do que está disponível no repositório. Mas essa produção pode ser acessada em nossas 48 bibliotecas”, afirma a coordenadora do Sibi.

O debate sobre as tendências está em aberto. “Tanto a via dourada quanto a verde são aceitáveis”, avalia Robert-Jan Smits, diretor-geral de pesquisa e inovação da Comissão Europeia. A via dourada parece levar alguma vantagem, a julgar pela estratégia da Holanda, país que, ao assumir a presidência rotativa da União Europeia em janeiro, colocou em pauta a ambição de instituir o acesso aberto para pesquisas realizadas dentro do bloco e patrocinadas com recursos públicos. Desde 1º de janeiro, a Organização para Pesquisa Científica da Holanda (NWO), principal agência de fomento do país, exige que papers resultantes de projetos de pesquisa apoiados por ela sejam publicados em acesso aberto – e deixou claro que tem preferência pela via dourada, com efeitos mais rápidos e mais fácil de controlar.

Ao mesmo tempo, propôs que versões de artigos anteriores ao processo de revisão, os chamados preprints, sejam depositadas em repositórios de acesso aberto. Para Sander Dekker, secretário de educação, ciência e cultura da Holanda, a via dourada é a solução mais justa pois reconhece que as editoras científicas fornecem um serviço valioso que precisa ser remunerado. Segundo ele, um dos problemas da via verde é que muitas revistas permitem que um artigo seja disponibilizado em um repositório de acesso aberto apenas depois de cumprir um embargo de vários meses. “Acesso adiado é acesso negado”, disse à revista Science.

© DANIEL KONDO

Acesso aberto_Menor

Embates
Na avaliação de Sely Maria de Souza Costa, professora da Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília (UnB), a via dourada possivelmente avançará mais na União Europeia. “É um caminho mais seguro porque não provoca embate entre editores e autores. E a intenção é implementar o acesso aberto em apenas quatro anos, um prazo que é muito curto”, afirma Sely, que participou no início de junho de um debate sobre o futuro do acesso aberto numa conferência internacional sobre publicações acadêmicas em Göttingen, na Alemanha. “Ninguém sabe muito bem o que vai acontecer. A publicação científica continuará por muito tempo nas mãos de grandes editoras, mas elas vão gradativamente procurar uma fórmula híbrida de publicação, pois perceberam que a questão do acesso aberto é irreversível.”

Continue a leitura em Pesquisa Fapesp