O PORQUÊ DO TERMO AGROTÓXICO

21/10/2021 13:55

ADILSON D. PASCHOAL, Ph.D. Professor Titular da USP, Professor Sênior da Esalq. Departamento de Entomologia e Acarologia.*

Sob a fraca e incoerente alegação de que o Brasil é o único país a usar o termo agrotóxico, quer-se alterar esse vocábulo por outro, que os recalcitrantes e influentes personagens de um setor da política nacional e de um grupo que tem a agricultura como mero negócio, querem impor à sociedade brasileira, visando interesses próprios e das corporações a que se submetem, em detrimento do interesse geral da nação.

Para nós cidadãos, que nos preocupamos com nossa saúde e bem estar, com o futuro de nossos descendentes e de todos aqueles que dependem e põem fé no conhecimento científico, da verdadeira ciência, que traz benefícios para todos e para a natureza e não apenas para uma minoria de oportunistas, tal mudança é inaceitável. Distorcer a realidade dos fatos e ocultar seus interesses particulares fazendo crer ser impróprio um termo tão consagrado e difundido, que faz parte de todas as leis, federal, estaduais e municipais referentes ao assunto, sendo do domínio e entendimento públicos, por outro imposto para confundir e mascarar a verdadeira natureza tóxica desses produtos é atitude reprovável e inadmissível.

Por que o termo agrotóxico incomoda tais indivíduos, que detêm o poder, mas não a razão e o conhecimento? Pelo simples motivo de o termo ser cientificamente correto, traduzindo a verdadeira natureza deles, isto é, de serem venenos, de serem tóxicos, e ser etimologicamente perfeito, estando de acordo com o rigor exigido pela língua portuguesa para novos vocábulos, razão de constar de todos os dicionários brasileiros e portugueses, e em publicações científicas nacionais e de algumas outras nações.

Agrotóxico tem origem do grego: agros (campo) + tokicon (veneno). O vocábulo tem sentido geral, incluindo todos os produtos de natureza tóxica usados na agricultura (mais propriamente nos sistemas agrícolas ou agroecossistemas), para o manejo de pragas, patógenos e ervas invasoras e para o controle de pragas e vetores
de doenças de animais domésticos (carrapatos, moscas etc.). O vocábulo não é apenas etimologicamente correto como também o é cientificamente, sendo a ciência que estuda os efeitos desses produtos chamada Toxicologia. Trata-se, pois, de um vocábulo com todo o rigor exigido pela ciência e a exatidão terminológica exigida pela Norma Culta da língua portuguesa.

Anteriormente a ele havia os termos pesticida, praguicida, defensivo agrícola e biocida, todos etimologicamente inadequados e cientificamente incorretos:

Pesticida (do latim pestis, a doença, + cida, o que mata) é expressão usada em países de língua francesa (pesticides) e inglesa (pesticides), estrangeirismos que não são aceitos pela Norma Culta da língua portuguesa. Significando “o que mata a peste”, e “peste” é doença, o vocábulo não pode ser usado com sentido geral, englobando pragas, patógenos e plantas invasoras. Mesmo para doença o termo é inadequado uma vez que não é a doença que se mata, mas, sim, os seus agentes causadores, isto é, os patógenos.

Praguicida (do latim plaga, a praga, + cida, o que mata) é termo usado em países de língua espanhola (plaguicida), estrangeirismo também não aceito pela Norma Culta da língua portuguesa. Não é, pela mesma razão, possível o seu uso em caráter geral por se referir apenas às pragas. Implícito na definição está o fato de existirem pragas e não pragas e que o praguicida mata apenas pragas, o que hoje sabemos não ser verdade, pois esses produtos matam mais o que não é praga (inimigos naturais, espécies inócuas) do que pragas, organismos esses desprovidos de resistência como mecanismo pré-adaptativo.

Defensivo agrícola (do latim defensa, defesa, + ivus) é o termo mais incorreto, ambíguo, utópico, vago e tendencioso de todos. Etimologicamente significa “próprio para a defesa”, mas não indica defesa de que ou de quem; se defensivo agrícola, então a defesa é da agricultura, não especificando tratar-se de substância tóxica para o controle de espécies daninhas. Deduz-se disso ser qualquer técnica usada na defesa da agricultura um defensivo agrícola. Nesse sentido, métodos de controle de erosão são defensivos agrícolas, pois defendem a agricultura dos processos erosivos do solo. Este exemplo basta para se concluir que não existe lógica nenhuma para se caracterizar exclusivamente os produtos químicos agrícolas como sendo defensivos, mesmo porque, hoje se sabe muito bem, serem eles agentes de desequilíbrios biológicos, gerando mais pragas e doenças do que realmente controlando-as.
Quando pensamos em termos da natureza, tais produtos não podem ser encarados como instrumentos de defesa, mas de ataque maciço contra todo tipo de vida, e de destruição e perturbação do equilíbrio da natureza.
Biocida (do latim bios, vida + cida, o que mata) é termo mais realista, com sentido mais amplo, incorrendo em pleonasmo: matar o que é vivo. Seria possível matar o que é morto?

Produto fitossanitário. É outro termo aventando por aqueles que desconhecem ciência e a língua pátria. Se o argumento é o de se adotar terminologia, mesmo que errada, usada em outros países, este só seria usado aqui. Além disso, a expressão não pode ser empregada em sentido geral, limitando-as às plantas (fito = planta), excluindo pragas e vetores de doenças animais, também controlados por agrotóxicos, passiveis de registro e de controle pelos órgãos fiscalizadores. Igualmente as ervas invasoras estariam fora, pois o vocábulo “sanitário” significa “que se refere a ou é próprio da saúde ou da higiene”. Seria, por acaso, a saúde da erva daninha que se almeja?

Agroquímicos é outra maneira tendenciosa de ocultar a natureza tóxica dos produtos usados na agricultura. O termo, amplo por natureza, permite incluir além dos
agrotóxicos também os adubos minerais, de natureza química como aqueles. Sob essa denominação, os inseticidas microbianos, cujo emprego ganha força em todo o mundo, estariam obviamente fora.

“Agrotóxico” é termo moderno, nascido no Brasil, sendo próprio do idioma português; não precisamos, assim, pedir emprestado outros, de outras línguas, com imprecisões cientificas inadmissíveis, e disso devemos nos orgulhar, pois aqui também se faz ciência e ciência de qualidade. Quiçá um dia o termo se generalize em outras nações, o que já está ocorrendo em Portugal e em alguns países de língua inglesa (“agrotoxicants”), francesa (“agrotoxiques”) e espanhola (“agrotóxicos”), imitando-nos, ao contrário de nós os imitarmos em suas imperfeições científicas e linguísticas.

* (Adilson e Ana foram muito amigos. A consciência ecológica e a falácia do modelo agrícola industrial embasaram as palestras de ambos em Encontros de agroecologia. Adilson foi o cientista que criou a palavra agrotóxico e é uma das maiores autoridades em ecologia do país.)

*https://anamariaprimavesi.com.br/referencias/
Fonte: Facebook Ana Maria Primavesi