CAPES, reflexões

18/01/2023 09:41
Luis Felipe Miguel
Prof. UnB
É uma alegria ver a professora Mercedes Bustamante como nova presidente da CAPES – pesquisadora respeitada, comprometida com a ciência e com e educação e, além de tudo, minha colega de UnB.
Por coincidência, o anúncio da nomeação saiu junto com as tretas referentes ao novo Qualis – o ranqueamento das publicações científicas, que tem impacto importante na classificação, logo no financiamento, dos programas de pós-graduação. E também, embora não devesse, no futuro dos pesquisadores.
“É um ranking das revistas, não dos artigos ou dos autores”, repetem, como um mantra – mas, na prática, é a publicação nos periódicos melhor avaliados que conta pontos para tudo.
E aí, como sempre, entra a questão dos critérios – e dos casos estranhos. Na categoria mais alta da Ciência Política aparecem revistas especializadas em argila (Applied Clay Science), em doenças coronárias (Atherosclerosis), em poluição do ar (Atmospheric Environment), em engenharia espacial (Aerospace Science and Technology). E isso que fiquei só na letra “a”.
Sim, mudaram os critérios, agora a revista recebe uma avaliação de sua própria área e ela é estendida para todas as outras em que algum pesquisador, ligado a algum programa, nela publicou.
Mas o que está sendo ranqueado? Um cientista político que publica, imagino que como segundo, terceiro ou mesmo quarto autor, no Journal of Medical Entomology, será lido por quantos de seus pares? Está intervindo em que debates de sua própria disciplina?
Falta discutir o que julgamos que é um periódico importante. Para mim, é aquele que é lido e discutido dentro de sua comunidade epistêmica – e que, portanto, incida sobre a pesquisa e sobre a formação de pesquisadores.
Como medir isso? Os proxies usados muitas vezes são precários ou se apoiam em índices (“fatores de impacto”) muito enviesados em favor da língua inglesa e dos tubarões da publicação científica.
Sem falar na florescente indústria dos periódicos predatórios, que mimetizam os critérios quase com perfeição.
Não é só o Qualis. É toda a política de pós-graduação, hoje centrada na avaliação. O argumento central em qualquer discussão nos programas é “vai dar ponto” ou “vai tirar ponto” na avaliação da CAPES.
Talvez a destruição desses últimos anos nos abra uma janela de oportunidade para repensar o que queremos. Não precisamos obrigatoriamente refazer o sistema que funcionava até agora, mas fazer diferente – e melhor.
Como valorizar a produção de conhecimento, mais do que de papers? Como desincentivar o produtivismo acéfalo sem deixar de exigir que devolvamos à sociedade o que ela nos dá? Como ultrapassar o provincianismo sem aceitar que “internacionalizar” é ser parceiro subalterno de redes de pesquisa sediadas no exterior? Como valorizar o diálogo com a sociedade sem cair no mero ativismo?
Creio que é necessário abrir um momento de debate nas pós-graduações brasileiras – de humanas e exatas, novas e antigas, centrais e periféricas. A CAPES cumpre seu papel ao alimentar e coordenar este processo.
(Esta postagem, em formato de cards, está no meu perfil no Instagram: @lfelipemiguel.unb)